Resumo
Este estudo visa elucidar o modo pelo qual o serviço de interpretação do par linguístico Libras-português, mediado por tecnologia e implementado emergencialmente durante a pandemia, suscitou um processo complexo de adaptação nos intérpretes profissionais em resposta às exigências sociais e de mercado. Para tanto, lançamos mão de conceituações e pressupostos teóricos de diferentes áreas, a saber: Estudos da Tradução, os Estudos da Interpretação, e os Estudos do Desastre (Disaster Studies). De acordo com a conceitualização elaborada por Quarantelli (1998), cinco pontos são importantes na identificação de um evento como um “desastre”: (1) São eventos de início súbito; (2) causam a disrupção grave de rotinas coletivas; (3) demandam a adoção de ações não planejadas de mitigação do impacto; (4) ocasionam um delineamento inesperado em histórias de vida no espaço e tempo sociais; e (5) representam perigo para objetos sociais valiosos. Assim como a Segunda Guerra Mundial representou a mudança da sociedade e cultura a nível mundial, a pandemia da covid-19 acelerou algumas mudanças, criou novas tendências, ocasionando uma transformação marcante na prática da interpretação como conhecemos atualmente. Especialmente a interpretação remota, embora já existisse antes da pandemia, ganhou uma nova dimensão de relevância e urgência, adaptando-se rapidamente às necessidades de um mundo que precisou migrar, muitas vezes de forma abrupta para o digital. O cenário de crise trouxe à tona tanto as potencialidades quanto os desafios inerentes a essa prática, exigindo dos profissionais da área uma rápida adaptação às novas tecnologias e métodos de trabalho. A partir das proposições teóricas advindas dos Estudos do Desastre, mais especificamente, a Hélice de Redução de Riscos de Bosher, Chmutina e Van Niekerk (2021), dos Estudos da Interpretação, como o Modelo de Competência do Intérprete de Conferência, proposto por Cavallo (2022), e dos dados produzidos pela pesquisa de doutorado de Parente Jr. (2024), elaboramos um modelo teórico que ilustra visualmente a experiência de adaptação do intérprete de Libras-português durante a pandemia. Conclui-se que, embora a pandemia em si não tenha sido a responsável direta pelo desenvolvimento de habilidades nos intérpretes, as condições por ela impostas – especialmente o distanciamento social – funcionaram como catalizadores para o desenvolvimento e a adaptação profissional. A evolução na oferta de serviços remotos e o aprimoramento da competência do intérprete apontam para uma transição de um modelo de interpretação remota emergencial, fortemente ligada ao contexto pandêmico, para a interpretação remota propriamente dita, com parâmetros e práticas bem estabelecidas. O encontro dos Estudos da Tradução com os Estudos do Desastre oferece perspectivas que podem servir não só ao momento atual, ao explorar questões importantes para compreensão da atividade interpretativa, mas também como forma de explicitar pontos de inflexão no percurso histórico da profissão. Assim, podemos compreender como momentos de grandes crises e desastres influenciaram as concepções e modos de operacionalização da interpretação, bem como seus desdobramentos na práxis profissional, e na formação de novos intérpretes.