Resumo
Este trabalho é um recorte de uma dissertação de mestrado defendida no Programa de Estudos da Tradução da UFSC com o objetivo geral de identificar a relação de alteridade do tradutor surdo com a música traduzida, com os outros tradutores ouvintes da equipe e com ele mesmo, em diferentes posições: a de tradutor e a de interlocutor da tradução. Para isso descrevemos e analisamos, a partir de um estudo de caso, alguns fios discursivos presentes na relação dialógica estabelecida pelo tradutor e intérprete surdo, participante da pesquisa em um processo tradutório e interpretativo de músicas para Libras. A pesquisa foi fundamentada na Perspectiva Dialógica de Bakhtin e o Círculo e nos Estudos da Tradução e Interpretação de Língua de Sinais (ETILS). A pesquisa se justifica devido ao cenário atual de aumento da demanda de tradutores e de intérpretes de Libras na esfera artística e o aparente interesse dos surdos nessas produções, também como tradutores. Durante a pandemia as lives musicais permitiram a promoção de traduções para a Libras de músicas e registradas em várias plataformas da internet. O presente trabalho propõe-se a utilizar um desses registros para tentar responder as perguntas: como o tradutor surdo se percebe ao traduzir uma música para Libras, em parceria com tradutores ouvintes? Pode o processo tradutório em uma equipe mista, de surdos e ouvintes, contribuir para o crescimento profissional dos sujeitos envolvidos? A fim de responder a essas questões, adotamos a autoconfrontação, metodologia elaborada pelo linguista Daniel Faïta (1992; 1995), como dispositivo metodológico dialógico que permite ao pesquisador observar como o protagonista da atividade se relaciona, extraposto, com aquilo que ele vê de si mesmo. O dispositivo foi utilizado com um tradutor surdo atuante no processo de tradução e interpretação de músicas brasileiras durante uma live realizada no período pandêmico. O corpus é constituído a partir dos enunciados produzidos pelo tradutor durante o processo autoconfrontativo. Para a análise, nos baseamos na relação dialógica do tradutor surdo com a música e com os outros tradutores. Identificamos a relação de alteridade na tradução observando esses enunciados, fenômeno claramente visto por ele mesmo, ao perceber seu desenvolvimento profissional em relação a equipe e a música em Libras. Exploramos de forma aprofundada os princípios da abordagem dialógica da linguagem, influenciada pelos estudos de Mikhail Bakhtin e seu círculo, que destaca a importância da linguagem como um fenômeno dinâmico moldado pelas interações sociais. A análise da categoria “alteridade na interpretação” a partir das falas do participante surdo revelou como esse fenômeno se manifesta em suas escolhas interpretativas. A relação dialógica entre ele e os intérpretes de apoio está marcada por peculiaridades determinantes para o desenvolvimento e reconhecimento dele como sujeito, o participante reconhece a influência da visão do outro, que é o intérprete feeder ouvinte, em suas escolhas, entretanto salienta que essa influência contribuí diretamente para seu reconhecimento e desenvolvimento pessoal. Concluímos que a relação de alteridade em uma equipe mista possibilita um trabalho mais eficiente e significativo para os profissionais e principalmente para o público-alvo.