QUANDO INTÉRPRETES DE LÍNGUA DE SINAIS ENCONTRAM “OUTROS” DE SI MESMOS:
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Palavras-chave

interpretação de libras
autoconfrontação
formação profissional

Resumo

Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa de doutorado cujo objetivo foi discutir a imprevisibilidade, imediatismo e discursividade da interpretação interlíngue e seus efeitos para a formação de intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras) e Língua Portuguesa (LP). Devido a legislação que determina a inclusão de surdos nas diferentes esferas sociais, o intérprete de Libras, que é o profissional responsável pela realização desta atividade e que historicamente constituiu-se como tal ora pela prática, ora por cursos livres em instituições religiosas e representativas da comunidade surda, tem buscado formação em instituições de ensino superior. Os cursos de especialização tem sido um dos espaços em que profissionais que possuem algumas experiências no campo têm adentrado para realizar a primeira formação ou para validar, por meio de uma titulação na área, o saber que já possuem e que foi constituído pela prática cotidiana. Com base nesse contexto, explorou-se, neste estudo, a complexidade enunciativo-discursiva deste ato de linguagem para a formação considerando a dimensão semiótico-ideológica das línguas envolvidas e a concretude de sua realização a partir das necessidades interacionais dos sujeitos participantes do ato. A tese defendida foi a de que a imprevisibilidade e imediatismo da interpretação delineia uma formação profissional que arbitra na antecipação de, apenas, parte da arquitetônica enunciativo-discursiva do ato interpretativo. Por meio de uma triangulação teórica entre os estudos bakhtinianos, a ergologia e os estudos da interpretação, realizou-se um deslocamento da metodologia da Autoconfrontação, originalmente elaborada pelo linguista Daniel Faïta no contexto da Clínica da Atividade Francesa, para o contexto de formação profissional com um grupo de intérpretes em um curso de pós-graduação lato sensu em Tradução e Interpretação de Libras/Português de uma instituição de educação superior privada na cidade de São Paulo. Foram montadas três duplas – sendo que, nelas, um sujeito assumiu a posição de intérprete de turno e outro a de apoio, mudando a posição durante a atividade – para interpretar três gêneros discursivos diferentes (discurso de formatura, político militante e prosaico-opinativo) em dois momentos: na primeira aula, sem qualquer ação formativa stricto sensu; e o segundo na última aula, após terem passado pela formação. Na última parte da última aula, as duplas, diante das duas gravações, comentaram as interpretações por meio da Autoconfrontação Simples (eles falando sobre o que eles fizeram) e da Autoconfrontação Cruzada (colegas comentando sobre o que eles fizeram). Os dados mostram que os intérpretes protagonistas da atividade interpretativa no contexto de formação, ao se depararem com seu fazer nas autoconfrontações, reconheceram, na atividade, muito além daquilo que sabiam sobre o seu fazer. Reconheceram, no primeiro vídeo, um saber marcado pela experiência prática e, no segundo vídeo, uma reelaboração discursiva desse saber de acordo com a formação. Observaram, também, que os gêneros mobilizados convocaram saberes específicos ligados a atividade interpretativa o que os mobilizou à utilização, no caso da segunda gravação, de estratégias abordadas no processo formativo que não foram utilizadas no primeiro. Espera-se que esta pesquisa contribua com a pedagogia da interpretação das línguas de sinais, com os estudos da linguagem e do discurso.

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