Resumo
Efeitos discursivos da inserção obrigatória da disciplina de Libras nos currículos dos cursos de licenciatura de universidades federais, nas diferentes regiões brasileiras. O recorte aqui produzido tem como foco a análise da política linguística que envolve a inserção da Libras no ensino superior. A análise dos discursos aqui empreendida é de inspiração foucaultiana. Nesta perspectiva teórico-metodológica, o discurso é entendido como produtor daquilo que enuncia. A análise se debruça sobre a rede discursiva formada pelos discursos inscritos nos Projetos Pedagógicos dos cursos de licenciatura, nos programas analíticos das disciplinas de Libras e no Decreto Federal nº 5.626/2005. O referido Decreto é fruto de articulações e negociações entre governo, movimento surdo e pesquisadores da área da linguística e educação. A luta dos movimentos surdos precisou negociar seus significados para ser assumida como política pública. Isto aconteceu no momento em que a inclusão tornou-se um imperativo. Assim, o Estado também precisou negociar com os movimentos surdos e incorporou os seus discursos nas políticas de inclusão. O Decreto pode ser considerado uma política linguística por estabelecer inúmeras determinações que produzem a legitimidade da Libras e a sua ocupação em espaços privilegiados, como o da academia. Nesse sentido, para além de apenas inserir obrigatoriamente a disciplina de Libras em alguns cursos – de licenciatura e de fonoaudiologia, e de forma optativa nos demais cursos, o decreto propõe a inclusão da Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão. Os discursos que circulam nas disciplinas de Libras tentam, a partir de diferentes estratégias, legitimar a Libras, seja apresentando seus aspectos linguísticos e/ou gramaticais, ou contando sua história, seja mostrando suas bases legais. Nesse sentido, tais discursos produzem a legitimidade da Libras, reforçando o seu status de língua. Ao mesmo tempo, porém, a legitimidade da língua de sinais é ameaçada pelo, quase exclusivo, ensino de vocabulário, que a inscreve como um recurso didáticometodológico para o ensino destes alunos, causando um efeito duplo e paradoxal. Desse modo, a partir da análise realizada, um dos efeitos discursivos da inserção obrigatória da disciplina de Libras nos cursos de licenciatura é um duplo efeito, tendo em vista que produz a legitimidade e a manutenção do status de língua a Libras; e, ao mesmo tempo, a sua redução a instrumento didático-pedagógico para a aprendizagem da Língua Portuguesa, a partir da concepção de educação bilíngue constituída por esta mesma rede discursiva. Argumento, porém, que o lugar que a Libras ocupa, hoje, na universidade e no cenário específico do ensino, da pesquisa e da extensão é potente para produzir outros efeitos. Consequentemente, são muitas as possibilidades para (re)pensar sobre o papel da Libras e o seu lugar no ensino superior, bem como os seus efeitos na produção de políticas linguísticas.